O PIKI NA TRAVESSIA DAS PONTES: FORMOSA – ALTO PARAÍSO – 2014

Serra Geral do Vale do Paranã - Goiás
O Planalto Central é rico em opções para os amantes de ecoturismo e esportes de aventura. O entorno do Distrito Federal é um exemplo disso. A secular cidade de Formosa é conhecida por suas cavernas calcárias, pelo Parque Municipal do Itiquira e está localizada a pouco mais de 70 km de Brasília. Os amantes do Vôo Livre e do Parapente têm a rampa do Vale do Paranã como referência de boas térmicas para a prática do seu esporte. A cidade de Alto Paraíso de Goiás é famosa por suas trilhas e cachoeiras e está localizada na Chapada dos Veadeiros.
            Para os amantes do pedal toda essa região é desafiadora, principalmente quando se refere à Travessia das Pontes. Ela é realizada pela GO 116 que atravessa o Vale do Paranã. Inicia asfaltada em Formosa percorrendo 30 km até a altura do Salto do Itiquira, prosseguindo cascalhada até o seu final depois da cabeceira do Rio Macacão no entroncamento com a GO 239 que segue até Alto Paraíso. Essa estrada é também conhecida como Caminho do Paredão, pois durante todo o trajeto observa-se a esquerda os Maciços de São Gabriel, o de São João d’ Aliança e o de Alto Paraíso que compõem parte da Serra Geral do Paranã. Isso dá a impressão de uma majestosa muralha natural desenhando todo o vale a sua direita.

26/09/2014  -  130 km
O amanhecer na BR 020
            Mal o relógio batia às cinco badaladas da madruga e os Pikinossauros:  DanielDesceTudo e eu O Piki da Trilha na Travessia das Pontes 2014. Era o início de mais uma aventura cicloturística do Piki da Trilha pelas terras do velho Goiás sem porteiras.
Café da manhã em Formosa
(LuisinhoDedoDeLata), seguíamos de carro, levando nossas magrelas e as demais  tralhas para casa do Marceleza, que já tinha preparado a mamadeira do rebento, beijado a muié e nos esperava ansioso na portaria do seu prédio. Quando os primeiros raios solares iluminaram o horizonte, todos já estávamos na BR 020 no caminho de Formosa. Lá seria  o ponto zero da trip:
            Na Padoca Munhoz no centro da cidade de Formosa, paramos pra tomar um cafezim e forrar o bucho com pão com ovo. Logo chegou o seu Antônio, um taxista local. Ele seria o responsável pelo nosso resgate no final da travessia em Alto Paraíso, trazendo-nos de volta ao ponto zero, pois o carro do DesceTudo ficaria estacionado na rodoviária da cidade.
O Piki da Trilha no Desafio da Travessia das Pontes 2014
            O sol já tava alto quando os intrépidos pedalantes seguiram em suas magrelas em direção ao Salto do Itiquira. Foram uns 30 km num asfalto perfeito que mais parecia um longo tapete escuro. Quando começou o cascalho, também vieram as incômodas costelas de vacas. Eram de todos os tamanhos e formas distribuídas por todo o estradão.

Asfalto novinho até o Salto do Itiquira

Aqui acaba o asfalto
Agora é só estradão, poeira e costela de vaca
            Paramos em todas as biroscas do caminho para descansar e hidratar. Como estávamos numa pedalança auto-suficientes, sem apoio, cada um era responsável por suas matulas. Então, esses momentos também serviam para verificarmos o estado das garupas das bikes e os nossos alforjes e bolsas.
As biroscas nos serviam de pontos de apoio. Em todas havia uma mesa de sinuca e várias marcas de pinga. Água mineral gelada, era mais difícil de encontrar 
Breve descanço
              Nos 68 km do percurso pedalado, já estávamos cansados e com o pó grudado nas ventas. Paramos então na barragem do Córrego Água Fria para um refrescante tibum na água gelada.
Barragem do Córrego Água Fria
Marceleza lavando o caldo
Vá de bike...
              Aquela visão do córrego, passando por entre as pedras e sob a ponte, era quase uma exceção durante a nossa trip. A longa estiagem havia secado a maioria dos riachos da região. A dezena de pontes pelo trajeto, apenas separavam a estrada empoeirada dos leitos secos dos riachos do vale.
Leito seco dos riachos 
Belezura!! Qualquer zica é só encostar...
Bem na hora do banco de areia. Olha só a altura do talco subindo...
A tranquilidade do vale representada pela simples casinha na cura da estrada
Olha o macarrão que a Dona Dalva preparou pra gente 
            Já estava escurecendo quando no aproximamos da barragem do Rio Paranã. Ao chegarmos ao Assentamento Santa Maria, pedimos pouso para a anfitriã, Dona Dalva. Lá, além de banho, uma gelada, da janta quentinha e de uma cama limpa, tinha também um pequeno armazém que servia de apoio aos moradores do lugar e clicloviajantes que por ali passavam. O DesceTudo se largou numa cadeira, o Marceleza atacou o freezer e eu comecei a remendar minha sapatilha que estava toda descosturada de tão velha. Minha mulher ia me matar se visse tal cena, pois ela tinha  me dado de presente uma outra sapatilha novinha em folha.
Com o banho tomado o DesceTudo só pensava em relaxar
E ainda rolou postas de Tucunaré... Hummm...

27/09/2014   -   55 km.
Pé de bike no quintal da Dona Dalva
            Ao cantar dos galos iniciaram-se os preparativos para o segundo dia de cicloviagem. Com o café tomado, as batatas cozidas pela Dona Dalva, devidamente embaladas e os serviços de WC corretamente efetuados, a Pikizada riscou estrada no sentido do Distrito de Forte.
Na sombra de uma cerejeira, no caminho de Forte
De volta as costelas de vaca
As costelas de vacas pareciam serem as mesmas do dia anterior, a poeira também não tardou em grudar nas blusas do Piki. O sol nem tinha passado por cima dos arbustos do cerrado ralo e eu já me sentia numa verdadeira savana africana de tão quente que estava ao nosso redor.
Marceleza na sombra se hidratando





Num breve descanso sob uma rara sombra na beira da estrada, passa montado no seu cavalo, a passo lento, o  Seu Carlos. Após os devidos cumprimentos, ele nos indaga com uma sugestiva questão: “Donde ocês vem? Pronde ocês vão?” Depois de passado o seu espanto pelo tamanho da quilometragem da nossa pedalança, ele nos dá uma ótima dica: “Há uns 6 km a frente, tem um bom poço para lavar o caldo e essa poeira do corpo docêis. É lá no Rio Farias, depois da próxima ponte”. Foram os 6 km mais rapidamente pedalados de toda a nossa viagem. Descemos o barranco e quase nos jogamos com as bikes e tudo dentro d’água. Tinham umas duas famílias no mesmo lugar, assando carnes e tomando umas geladas ao nosso lado. Mas a nossa maior preocupação era molhar as canelas, lavar o lombo e deixar os pés de molho na água numa boa sombra.
Seu Carlos nos dando a dica do banho no Poço Farias
Os Pikinossauros refrescando na sombra
Uma das dezenas pontes da travessia
Nesses dois dias rasgando o pedal pelo Vale do Paranã, o nosso maior desafio, além do calor e das infindáveis costelas de vaca da estrada, era vencer as longas distâncias quase em linha reta e sem muita alteração na altimetria, devido a pouca elevação do terreno.
Piki da Trilha 
O estradão cortando o cerrado seco e a Serra Geral desenhando o horizonte
Com mais 20 km de pedal sob o sol e na poeira em forma de talco, chegamos ao Povoado de Forte. Eram 13h30min da tarde quando desamuntuamos das bikes e sentamos no alpendre da Dona Dora. Era um alivio bundástico, pois eu já estava com meu “assento” todo assado, igual a bumbum de bebe numa fralda vencida. Para nossa sorte, o rango já estava pronto e quentinho no fogão do Restaurante da dona da casa: O Cantinho da Paz. Era o momento de esticar as pernas, tomar uma gelada e comer aquela comidinha caseira e deliciosa que só os cicloturistas mais exaustos sabem como saborear.
Ufa!! Chegamos na casa da Dona Dora


Agora é só relaxar e tomar uma gelada
O Distrito de Forte já foi a capital do município no início do século passado, até havia um cartório no lugar. Hoje a capital é São João d’ Aliança, que tem esse nome devido a Passagem da Coluna Prestes por lá em 1926. Logo em seguida veio a Aliança Liberal pregando mudanças políticas e sociais pelo País e assim o Distrito de Capetinga foi elevado a cidade e passa a se chamar São João d’ Aliança, já na década de 30.
O Distrito de Forte
Histórias da existência  de um antigo Quilombo no pé da Serra Geral, que reuniam os negros fugidos das fazendas das imediações, ou da chegada por ali de negros libertos vindo do interior da Bahia, ou do estabelecimento de fazendeiros europeus naquela região do Vale do Paranã, ou ainda a combinação de todos esses fatores, deram o início da formação daquela comunidade e enriquecem as lendas da origem do lugar.
Os casebres espalhados pelas poucas ruas do povoado
Fica apenas uma sensação na gente: De que a História é dinâmica, como num túnel do tempo, nos transportando e semeando a nossa imaginação. Tudo muito parecido com os causos que são contados nos bares do povoado, sobre o som grave do esturro das onças nos pés das serras, assustando os mais distraídos.
Tudo por aqui anda bem devagar...
Veio-me à memória, que no fim da tarde de ontem, quando os últimos feixes de luz ainda se refletiam na poeira da estrada. Marceleza e eu, já com nossos faróis ajustados, seguíamos na frente e o DesceTudo, vinha mais atrás, preocupado com as ligações do seu celular, registros fotográficos e os sinais do GPS. De repente ouvimos um grito ao longe: “Esperem por mim seus pedaloucos, isso aqui é terra de Pintada.”  
É a hora de escutar os causos da roça
O sol já se escondia por trás do paredão, desenhando por cima dos telhados de barro das casinhas de adobe, a majestosa silhueta da Serra Geral. Rapidamente veio a noite, e com ela a Dona Dora montou as barracas no alpendre para o nosso devido descanso e recomposição dos cambitos para mais um novo dia de pedal.
As barracas são ótimas para escapar dos mosquitos

28/09/2014   -   67 km.
Tá a hora de arrumar as tralhas
            Chuviscou um pouco à noite, somente o suficiente para exalar o cheiro da terra molhada, mas não o bastante para lavar o pó da estrada.
Café da manhã reforçado
            Às 4h30min todos já estávamos acordados, o calor e os mosquitos não deram trégua ao sono. Com o dia clareando Dona Dora pôs o café às 7h00min. Mesa farta, suco de caju naturalíssimo, pão de queijo e outras guloseimas. Logo todos já estávamos no estradão em direção da Cabeceira do Rio Macacão.
Estamos novamente rasgando o estradão
            O revelo do terreno apresentava uma boa mudança se comparado com o do dia anterior. Subíamos em pequenos montes, descíamos em curtos vales, e pedalávamos contornando as curvas de nível do terreno. A vegetação do cerrado era bem preservada, denunciando a pouca presença de projetos agropecuários por aquelas bandas.
A vegetação está mais preservada nessa parte do trajeto
            A travessia do Rio Macacão foi bem tranquila, pois devido a seca, a água mal cobria as nossas sapatilhas. Após uma breve pausa, os Pikinossauros retornaram para a estrada. Apesar da água límpida, não nos arriscamos num convidativo tibum por ali, pois a Serra Geral já se aproximava e com ela a temida subida da Serra das Laranjeiras. Ela é composta por uma sequência de subidas estonteantes, seguidas de descidas alucinantes.  O conjunto dessa ópera mina a resistência da maioria dos cicloviajantes que por ali se aventuram.
Cabeceira do Rio Macacão
O nível da água estava tão baixo que mal encobria as sapatilhas

Um rápido descanso nas margens do Rio

Piki da Trilha  
            O sol já castigava quando sentimos o elevado da altimetria. As poucas árvores da beira da estrada não sombreavam nem 1 % de todo o percurso e os bancos de areia eram tão fofos que pareciam mais bolsões de puro talco. Os pneus afundavam nele até se firmarem no cascalho ao fundo.

Esse é o início da subida da Serra Geral

Nos bancos de areia o talco encobria os pneus 
            Para completar, todas as biroscas do caminho por onde passávamos estavam fechadas e a água passou a ser racionada. Esses fatores somados aumentavam o nosso desgaste a cada pedalada.
Tudo fechado pelo caminho

Agora é o início da Serra das Laranjeiras
Os pedaloucos se preparando na sombra para a sequência de subidas
           O Marceleza, com uma louca vontade de encontrar qualquer budega aberta, abriu na frente.
O DanielDesceTudo, despinguelava como se estivesse  sem freio nas descidas e tombava de lado de exaustão no final de cada nova subida. LuisinhoDedoDeLata, eu que vos falo,  procurava no alto dos morros, as pequenas sombras dos arbustos  pra escapar do causticante calor, descansava um pouco esperando o DesceTudo encostar e aproveitava pra chupar o resto de gelo que tinha na minha bolsa de hidratação. Era uma verdadeira cena hilária, ver o fadigado Piki chupando gelo com as mãos todas sujas, a ponto de queimar a própria língua e os lábios.
Esperando o DesceTudo encostar e sorrindo com os lábios queimados de chupar gelo 

Tem mais subidas
O DesceTudo já cansado...
  ... agora  completamente exausto e sujo de  terra
            A redenção dos cansados pedalantes veio com uma parada estratégica numa chácara à beira da estrada para encher as nossas garrafas vazias.Não tinha ninguém em casa, mas pulei a cerca assim mesmo, passei por entre os pequenos cães latindo como loucos e ataquei a primeira torneira que vi no caminho. Foi a matada de sede mais saborosa do dia.  A água deveria vir direto da serra para a torneira do tanque de lavar roupas, mas isso pouco importava naquele momento.
Sítio com a água salvadora
            O entroncamento para o Povoado do Moinho é o prenúncio do fim da jornada, pois a Serra da Laranjeira ficou pra trás e restam apenas uns 8 km para chegar a Alto Paraíso.
Ufa!! Já estamos chegando
            Quando o ciclocomputador marcou aproximadamente 250 km já podíamos avistar as primeiras casas da periferia da cidade, os nossos rostos estampavam um misto de alegria e satisfação pelo término de mais uma cicloviajem. Assim chegava ao fim O Piki da Trilha no DESAFIO da Travessia das Pontes 2014.
É nós em Alto Paraíso

Esticando as pernas e esperando o rango chegar

Nooossa!! sem palavras  pra descrever esse prato...

Na estrada sonhando com a próxima cicloviagem...

e curtindo o majestoso desenho de mais um por do sol no Planalto Central.